terça-feira, 2 de junho de 2009

A Isca, o Anzol e a Grande Rede

Alexandre Oliva <lxoliva@fsfla.org>

Publicado na segunda edição, de maio de 2009, da Revista Espírito Livre.

Os usuários de software de maior consciência social já notaram que, ao morderem a isca, incentivam os pescadores de usuários a continuarem se valendo de anzóis escondidos para capturá-los. Não por acaso, pescadores têm recorrido à Grande Rede como mecanismo alternativo para aprisionamento. Que fazer para evitar esses perigos?

Hora da bóia!

A história começa com um apetitoso pedaço de camarão, minhoca ou qualquer outra funcionalidade que possa atrair usuários. No mesmo pacote, cuidadosamente projetado para ludibriar a presa, vem o anzol, característica maliciosa destinada a restringir e aprisionar o usuário, de forma técnica (negação de código fonte, DRM, Tivoização) ou jurídica (contratos restritivos, licenças limitantes, ameaças diversas).

Mesmo quem entende e valoriza a liberdade, e portanto faz o possível para evitar os anzóis, é às vezes vitimado por esses dispositivos feitos para enganar e aprisionar. A diferença é que, uma vez fisgados, alguns concluem que o melhor que lhes resta a fazer é saborear a isca, relaxar e gozar a viagem, enquanto os mais conscientes batalhamos para nos libertar até o fim das forças, mesmo sacrificando recursos importantes e convenientes, tais como partes da boca, do computador ou de sítios.

Muito mais inteligente é não mordermos a isca: além de não corrermos o risco de captura, ainda desanimamos o pescador. Quanto menos usuários cairmos na armadilha, maior a chance de os pescadores abandonarem essa estratégia, de modo que todos possamos voltar a nos alimentar, com tranquilidade e segurança, de bits de camarão e de informação.

Pescadores do software, anti-éticos que são, já encontraram outra estratégia para ludibriar suas presas, inclusive se beneficiando do movimento solidário dos usuários, o Movimento Software Livre, contra a captura imediata por meio de anzóis.

Lança-se a Grande Rede

Os espertinhos começaram a semear as iscas no éter digital, usando a Grande Rede para envolver os cardumes de usuários atraídos por elas, conduzindo-os, desprevenidos, até a captura definitiva.

Curioso e preocupante é que a Grande Rede pode aprisionar o usuário de duas maneiras: tanto no micro-ambiente do próprio usuário quanto pelo acesso ao sítio do pescador.

Na primeira, a isca não fica presa a um anzol, nem ao ambiente do usuário: o pescador envia-lhe as iscas goela abaixo diretamente de seu sítio. São iscas com tecnologias AJAX, Flash e Java, entre outras. O usuário as processa nas próprias entranhas, sem muita chance de adequá-las às suas preferências e necessidades. Distraído pelas iscas, nem percebe que a rede vai ocupando cada vez mais espaço ao seu redor. Pior que é o pescador quem decide o que a vítima consumirá, a cada visita. Nessas condições, as iscas são um perigo mesmo que suas receitas sejam originalmente Livres. Pior ainda com as descaradamente não-Livres, que usam Ofuscript às centenas de toneladas.

Na segunda maneira, o pescador estende a rede entre usuários e um sítio convidativo para depositarem e manterem seus ovos e informações pessoais. Mesmo que não sejam capturados, usuários correm o risco de que, mais tarde, a passagem não esteja mais livre; de que suas crias nasçam em cativeiro.

Antes do advento da rede, o usuário podia defender pessoalmente suas crias de ameaças externas, mantendo-as sob seu controle em seu próprio micro-ambiente isolado. Já no sítio, é o pescador quem controla o ambiente e o acesso às crias, podendo utilizá-las para fins indesejados ou até oferecê-las a terceiros. Sem controle, o usuário fica à mercê do pescador, mesmo que possa obter receitas e especificações do ambiente (como requer a GNU Affero GPL) e configurar seu próprio ambiente adaptado em sítio alternativo.

Até no caso de uma aplicação colaborativa como, digamos, a fecundação dos ovos, é essencial para os usuários que eles, e não um pescador, possam controlar o acesso aos ovos e o ambiente em que são mantidos. Não bastam as especificações do ambiente do sítio mantido pelo pescador. Se os usuários não puderem levar suas crias para outro sítio, elas se tornarão reféns, usadas para controlá-los.

Nada é perfeito?

Os pescadores têm muitíssimo interesse em controlar as gerações atuais, mas não lhes basta. Esperam imbuir nas gerações que nascem e crescem sob sua influência a aceitação desse desrespeito à liberdade. Inocentes usuários, por sua vez, parecem não perceber o risco para si mesmos e suas crias. E que faz um usuário desavisado para evitar os perigos das iscas, dos sítios e das redes dos pescadores? Nada! Fica por ali mesmo, crédulo e crente no conforto e na segurança do ambiente controlado pelo pescador.

É verdade que o futuro do usuário capturado pela Grande Rede ainda tem chance de não ser, digamos, nebuloso. Afinal, há pescadores que devolvem suas presas à liberdade, ainda que às vezes com sequelas. Mas há os que capturam prisioneiros para que vivam em cativeiro. Uma vez no aquário, pular fora é difícil e perigoso, possivelmente fatal, especialmente para as crias deixadas para trás. É melhor evitar! E que faz um usuário consciente para evitar os perigos das iscas, dos sítios e das redes dos pescadores? Nada! Nada para bem longe deles!


Copyright 2009 Alexandre Oliva

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http://www.fsfla.org/blogs/lxo/pub/isca-anzol-rede


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